Sublimação / Entrevista

São Paulo, 1968

Eu queria ser igual ao meu pai. Ele tinha um laboratório de limpeza de slides. Pincel de pelo de foca. Nem sei se era, mas ele falou e eu acreditei. Tenho esse pincel comigo até hoje.

 

Desde os cinco anos eu queria uma máquina fotográfica. Comecei a fotografar aos sete e nunca parei. Tive aula na Focus. Meu pai morreu quando eu tinha 13 anos e por esta época comprei uma Nikon FM2. Desde então organizo todos os meus negativos. Na faculdade, meu trabalho de final de curso foi um fotodocumentário sobre os funcionários da fazenda da minha família.

Eu queria fotografar para ser adulta, para estar próxima do meu pai de alguma forma. Ele era engenheiro civil, mas fotografava muito bem. Tinha uma coleção grande para a época, uns 4 mil slides.

Em casa fazíamos sessões de projeção de slides na parede. O projetor tinha controle remoto, mas sempre travava. Mesmo assim, víamos como se fosse cinema as viagens que os meus pais faziam, nossas próprias imagens. Somos três irmãos, e cada um tinha sua caixa de slides. A gente disputava para se ver.

Tive a liberdade de ser criada no ambiente de uma fazenda. Minha família não tem relação com arte, nunca me levaram a um museu, mas sempre me apoiaram na minha aventura artística.

 

Criei um universo por onde vago nas memórias da infância, sob as raízes ou sobre as copas das árvores. Lugares interiores onde me permitia sonhar com o que ainda não havia acontecido.

A fotografia era um mistério para mim, a começar pelo objeto, a máquina fotográfica. Mas logo percebi que ela me ajudaria a revelar meu ser mais profundo por meio da construção da paisagem interna que se revelaria externa.

Comecei a desenhar antes de ir à escola, como uma necessidade. A escola Waldorf, de linha antroposófica, foi importantíssima na minha formação. O desenho ali era uma forma de trabalhar, não importava o resultado final, mas o processo.

 

O desenho revela o sagrado que vive em nós.

Depois de estudar fotografia, decidi experimentar a pintura, o desenho e, finalmente, a construção de objetos. Durante um tempo, velei fotografias com pintura. Destas experimentações surgiu a linha que eu buscava para juntar desenho e fotografia. A linha passou a ser um elemento muito presente nos meus trabalhos.

 

A linha, visível ou não, costurava, costura e costurará sempre todos esses tempos perdidos e achados da minha existência.

Comecei a trabalhar com 16 ou 17 anos desenhando joias na loja Ornamentum. Trabalhei lá uns quatro anos.

Cursei Desenho Industrial na FAAP. Isso foi importante na minha formação como artista porque me deu praticidade, objetividade e sistematização. Sou bastante sensorial, e esta perspectiva mais racional foi importante para me equilibrar.

Minha irmã mais velha é arquiteta.

Eu fazia maquetes para ela.

Casei aos 23 anos.

Fazia joias, montei um ateliê na sala, depois o transferi para a garagem. Mas logo comecei a ter filhos e, quando já tinha três, precisei arrumar outro espaço para trabalhar.

 

Meus filhos plantaram árvores aos sete anos. Foram rituais que eu achei importantes.

Pelo fato de suas raízes mergulharem no solo e sua ramagem se elevar para o céu, a árvore é tida universalmente como um potente símbolo das relações que se estabelecem entre a terra e o céu.

Sim, os deuses são poderosos. Eles podem roubar o que você achou que lhe pertencia. Nada é seu, o corpo é objeto. O objeto lhe pertence, mas nem por isso deixa de ser objeto.

Acredito no mito, é algo vivo, nunca morre. Enquanto houver vida humana na terra, o mito estará presente. Além da influência do mitólogo Joseph Campbell, fonte de respostas e questões para refletir, também me influenciam artistas como Ana Mendieta, Louise Bourgeois, Max Ernst, Marc Chagal, Anselm Kiefer, Frida Kahlo, Adriana Varejão, Tunga, José Rufino, um poema de García Lorca, músicas, jornais, mídias diversas. Todo este conjunto me alimenta ora com respostas ora com perguntas. Cruzando linhas entre pensamentos, vou costurando ideias e reflexões. A vida, a morte, o devir… Eu me condiciono para deixar a energia intuitiva acontecer.

 

O rosa de alguns dos meus trabalhos é na verdade o avesso da pele, que é sempre igual.

Cor de carne.

Fico indignada com qualquer tipo de preconceito.

A memória é a linha que conecta a série contínua de lembranças e relações entre as coisas e nós mesmos. Concordo com Schopenhauer quando define o louco como uma pessoa que perdeu a memória.

 

Micro macro

O dia   a noite

O bem   o mal

A vida   a morte

O comeco   e o fim

O masculino   e o feminino

Embaixo da terra   sobre a terra

Dentro   fora

Belo   feio

Tudo   nada

Relação natureza/ser humano

deslocamento

transformação

gosto de colecionar o mundo!

biodiversidade

pesquisa, filosofia, psicologia, história, artistas, metafísica

sonho/lúdico/surreal

ausência

 

A natureza é uma grande fonte de inspiração e reflexão. Aspiro a este tempo, lento em comparação com o tempo urbano, que a natureza se dá para se transformar.

A relação do ser humano contemporâneo com a sociedade e o meio natural me atrai muito. A paisagem reflete esta relação, tanto no campo quanto na cidade.

Penso no conceito do sublime. O ser humano é pequeno diante da natureza e suas forças. Apesar de fazermos parte dela, a imensidão da natureza denuncia nossas limitações, nossa impotência.

 

Pesquiso todas as árvores que fotografo. Além da curiosidade que me move, gosto de criar uma intimidade ao conhecer seus ciclos, espécies similares, as especificidades das sementes e das folhas… Às vezes, vejo esta aproximação como análoga ao modo como conhecemos e comparamos pessoas.

Os seres da mitologia que vivem sobre a terra são as Ninfas, figuras cobertas por um véu. São educadoras e ligadas ao mundo feminino. Manifestam-se, por exemplo, na energia telúrica que aparece nas flores, nas águas, na beleza da superfície.

Os seres que vivem abaixo da terra são os Cabiros, os gnomos, os gênios da natureza. Atuam para tornar invisível o visível. Trazem revelação e inspiração.

“Todo o dia a árvore produz e abandona uma sombra do mesmo modo que todo ano ela produz e abandona uma folhagem.”

A água e os sonhos (Gaston Bachelard).

Embora nunca tenha parado de fotografar, eu não me identificava muito com a turma dos fotógrafos. Também não me sentia parte do mundo dos pintores.

 

Não sou zen nem hippie…

Em 2001 assumi que minha profissão era esta: artista plástica. Passei a adotar novos procedimentos, como rasgar fotografias. Foi bastante difícil conseguir avançar neste território, porque eu fui criada num ambiente regrado, de zelo pela imagem.

 

Gosto de diversidade.

Detesto ir a um restaurante em que todos são iguais.

“A máquina fotográfica é a extensão do seu corpo”, disse-me meu filho mais velho. Com esta fome que tenho de colecionar o mundo, a fotografia está sempre presente nas minhas estratégias e investigações.

 

Olhar o mesmo referente por dois pontos de vista e depois reuni-los.

Vi uma árvore amarela florida. Fui fotografá-la, e a minha escala diante dela era ínfima. A árvore era descomunal − a força da natureza, muito forte. Então necessitei me abaixar. Para dar conta da árvore, percebi que era necessário ter outra foto do outro lado. Sem que fosse consciente disso naquele momento, eu estava buscando uma tridimensionalidade. Ainda não havia a ideia da costura.

No momento em que coloquei as imagens no computador, as duas surgiram lado a lado. Aí me espantei: eu havia eliminado o tronco, a árvore flutuava. Pensei: será que agora perdi o chão de vez, não estou mais aterrada? Como eu já costurava imagens, a solução para uni-las foi um passo natural.

As minhas imagens visam gerar símbolos que possam responder alguns dos meus enigmas pessoais… Por isso, gosto tanto da obra da Louise Bourgeois.

Costurar seria uma forma de fazer com que as fotos ganhem volumes, de resgatar a tridimensionalidade perdida pela fotografia? Eu não pensei nisso… Com as árvores, o volume se torna uma referência clara ao livro… O livro é papel, papel é árvore.

 

 Ana Nitzan, em entrevista a Eder Chiodetto

 

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